terça-feira, 20 de setembro de 2011

"Melancholia", 2011, Lars Von Trier



Há um ‘Grande Plano’ para a vida na Terra?

Lars Von Trier, o iconoclasta.

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É o dia do casamento de Justine (Kirsten Dunst). Ela está noiva de um rapaz muito charmoso e devoto, tem uma carreira promissora e, aparentemente, uma bela família. Sua irmã, Claire (Charlotte Gainsbourg) junto a seu marido, John (Kiefer Sutherland) prepararam-lhe uma festa de arromba para comemorar as bodas tão esperadas.

Porém, há algo de estranho no ar.

Justine encontra-se completamente perturbada e angustiada. Entre uma dança e um brinde, Justine sente a necessidade de se retirar, de sentir o ar fresco e de refletir sob a luz das estrelas...

Justine está diante de uma decisão que marcará sua vida até o fim. Escolheu, portanto, o momento perfeito para uma intensa sessão de contemplação e desespero.

Claire, por outro lado, é uma mulher serena e tranquila. Casou-se com um homem brilhante que lhe deu um filho maravilhoso.

Ainda assim, algo também a desconcerta tremendamente.

Está nos jornais – Um planeta, de alcunha Melancholia, foi descoberto detrás do sol, escondido. Sua rota, segundo os cientistas, está apontando justamente para o 3o planeta do sistema solar. A previsão é a pior: Um choque inevitável, e assim, o fim dos tempos.

Justine passa a querer 'entender' tal catástrofe.

Claire quer somente correr dela.

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Lars Von Trier e os sentidos.

Melancholia dialoga com a percepção do homem.

A visão sobre si, sobre os outros e o mundo.

E, talvez, o futuro.

Lars Von Trier, o Existencialista?

O Político?

O Sátiro? Ou Sádico?

Dias atuais, dias esses de insegurança, medo e medidas desesperadas. Os tsunamis, o aquecimento global e ainda os eternos enriquecimentos ilícitos. Irã, Israel e a Palestina. A economia americana ‘going down the drain’ e, assim, 15% dos cidadãos americanos atingindo a linha da pobreza.

No Brasil, o preço da banana ultrapassa o valor praticado em Nova York..

É, de fato, o fim dos tempos.

O que estamos fazendo com nossas vidas......?

As protagonistas, então, exibem duas formas de existir: para-si, e para-os-outros.

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Justine & Claire tem algo em comum – Ambas teriam plena capacidade de usufruir de uma vida farta, empreendedora e feliz. Porém, enquanto Claire permanece alienada - fechada numa espécie de microcosmo, isolada do mundo, de costas para todos, numa vidinha à três, tacanha e quase primitiva, Justine resolve eclodir para o mundo, resolve conceber o Grande Plano, o sentido de sua vida, e assim sendo, o sentido da vida na terra.

Uma, luta desesperadamente para salvar seu filho; aquele que dará, supostamente, continuidade a uma espécie.

A outra questiona a própria continuidade em si.

Questiona o impacto dos outros sobre si e vice-versa.

O olhar dicotômico de Lars Von Trier: Estamos todos deprimidos? Deveríamos estar? Ou este quadro maníaco que se encontram todos, inclusive Claire, é a solução..?

A salvação...?

O deprimido não vê sentido em nada.

Melancholia é quase uma ópera - De fato, o planeta caminha para um lugar obscuro.

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Assim como Tarkovsky, Lars Von Trier, é alguém que parece ter nascido para expor minuciosamente algumas experiências restritas aos homens. De fato, é visto por alguns como um sádico, alguém que faz das cenas bizarras, dos momentos dolorosos, uma via de conexão entre ficção e realidade. O cinema de Lars Von Trier tem um propósito claro – quase que desenhar o suplício, o tormento e a angústia de seus personagens, necessariamente deixando alguns pontos, nunca discutidos, muito, muito claros. Os filmes servem apenas como forma de discutir teorias de várias áreas do conhecimento através da dor destes personagens.

Dançando no Escuro, Dogville & Anticristo dispensam explicações.

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Kirsten Dunst, contemplada com o prêmio de Melhor Atriz em Cannes, construiu uma personagem profundamente deprimida com louvor. Sua falta de conexão com o mundo impressiona. A apatia, a desmotivação e a sensação do ‘Nada’ (Sartriano) deram a Justine uma coerência filosófica indescritível...

Charlotte Gainsbourg foi menos exigida em Melancholia do que em Anticristo. Contudo, sua Claire, ao desconstruir o estado de alienação total, promove cenas dramáticas de uma delicadeza ímpar. O descobrimento da vida à beira da morte - lindo.

Lars Von Trier transformou um "filme-catástrofe" num drama enxuto e contudente.

Cada plano, cada atriz e cada momento são repletos de pensamentos, dúvidas, medos e arrependimentos. O ser humano em "pure flesh n bone".

Uma câmera próxima.

Um drama psicológico intenso e invasivo.

E um texto brilhante e mais que pontual. Em cada frase uma pancada...

Não há escapatória senão pensar no que foi feito.

Simplesmente, um protesto.


Fica dica.

Nota bene - Os primeiros 35 minutos do filme são inteiramente descartáveis.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. 'Melancholia' é uma ESPÉCIE de filme quase inclassificável ou ao certo -, não há classificação. Sabe quando você tem a sensação de presenciar uma coisa extremamente "out of this world" foi exatamente como me senti ao sair da sala de cinema 'notwithstanding' (rs) não tem como ficar indiferente ao sentimento que lhe parece angustiante e ao mesmo tempo toma conta de você ao longo do filme... Devo confessar que, por muitas vezes eu bocejei e, ví algumas pessoas na cadeira ao lado se contorcerem com a estática ... com a espera... com o prenúncio... de uma Justine (feliz, triste, sensível, forte, bizarra, melancólica)- morta. As imagens eram carregadas de um significado tão singelo quase um ornamento da vida e seus subterfúgios... e ao mesmo tempo tão sem palavras. Eu me permiti ser Justine nos últimos 2 minutos, me indentifiquei com uma tentativa racional dela de entender que é inevitável largar as mãos e tentar fantasiar o que lhe atinge ... lhe devora. É da nossa natureza (inerente)- o (tentar) impedir - mas, se e somente se, esse seja o nosso destino - A realidade é tão dura quanto parece? Justine abriu sua natureza; e isso é assustador, a voz que chama você, que te abre para o mundo (o seu mundo)-, mas sem muito o que dizer sobre termos psicológicos - 'Melancholia' não atingiu só Justine.

    Adorei o review.


    by Ramon ;)

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  3. Lars consegue nos deixar Melancólicos e nos faz questionar o mérito de ser feliz nesta obra claustrofobica, opressiva e maravilhosa. Porque um filme precisa te fazer sentir bem? Um filme precisa te fazer SENTIR. Obrigado Lars, quem dera mais diretores fossem viscerais como você. E obrigado Joaquim, meu xará, pelo belo texto.

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