quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"Os Mercenários", 2010, Sylvester Stallone


Stallone, Stallone....tsc, tsc, tsc. [Leia-se: tisque, tisque, tisque.]

Ao assistir “Rocky, o lutador” (1976) pela 11ª vez, fica cada vez mais nítido que a academia premiou um filme nada mais, nada menos que entusiasta. Uma inteligente sacada mesclou os gêneros drama e ação à uma questão psicológica e social – sobre ‘lutar’ e um personagem defensor dos valores norte-americanos – justamente numa época onde os EUA estavam abalados politicamente.

Um filme correto e realizado na hora certa. Nada além disso.

Por mais simples e ordinário que possa ter sido, Rocky Balboa emplacou e firmou-se na cabeça de milhões de fãs (vide os números da época – arrecadação R$120 milhões de dólares). Ali nascia uma centelha de que este tal de Sylvester Stallone vinha para ficar e fazer filmes tão ‘bons’ quanto este.

Trinta anos se passaram e absolutamente nada parecido com "Rocky" foi realizado. Certamente Sly não demonstrou muita preocupação perante tal quadro – uma pena. Não se trata de uma questão de ingenuidade, mas sempre se espera o melhor, não? Mesmo sendo totalmente ‘money-oriented’, assim como J. Cameron como seu feérico ‘Avatar’, Stallone parece ter emburrado gradativamente ao longo destes anos, e não conseguiu nada além de bobagens - vide sua extensa filmografia e seu último ‘hit’ – “Os Mercenários” - 'pure crap'.

Os Mercenários”, portanto, se trata da síntese da imbecilidade. São clichês dos mais pavorosos emaranhados num roteiro escrito por um adolescente aficionado.

Barney Ross (S. Stallone), é líder de um grupo de mercenários contratados para executar missões impossíveis, encobertas e clandestinas. Surge uma nova missão – combater um ditador numa ilha remota da América latina, algo involvendo a CIA, traidores, drogas e dinheiro.

Quando chegam lá, se deparam com uma senhorita ‘in distress’, Gisele Itié, que seria tão somente a filha do ditador em questão e contrária à postura de seu progenitor. [U-A-U!!]

Depois de concluída, a missão toma outras proporções, devido a um insight que Barney tem ao topar com a intrepidez da personagem de Giselle Itie. O filme, então, assume a idéia de que ninguém é 'descartável', e de que cada homem é capaz de fazer ‘a diferença’. Sim, um melodrama ‘mexicano’ e risível reina até o final entre detonações, disparos e explosões.

Estabelecida a qualidade do roteiro, a integridade das atuações aparecem: sofríveis e que chegam a causar vergonha alheia. Eric Roberts, que vive o traidor da CIA, aliado do ditador, é o único que sustenta uma atuação crível e condizente com o clima do filme. As aparições de Schwarzenneger e Bruce Willis, completamente desnecessárias, só salientam o quão desconectado e sem fundamento um roteiro pode ser. Mesmo sendo sensacional conferir Sly e Schwarzie num mesmo plano, tudo não passa do débil.

O bonus da fama, talvez, seja este – Mesmo sendo uma merda, as pessoas se dirigem ao cinema para conferir.

O ônus? Bem..........................................................................................................................................


A dica jamais ficaria.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"Escola de Molieres", 2010, Amir Haddad



Moliere tornou-se famoso pelas farsas que escreveu. Estas tinham um caráter ao estilo Commedia D'ellarte, sendo apresentadas em partes, através de improvisos e não necessariamente concluídas e sempre baseadas em esboços gerais. Através destas ‘obras’ nasceram outras onde Moliere se consagrou como um autor de comédias satíricas – tinha o intuito de sacanear e ridicularizar a nobreza, os costumes da época e salientar a hipocrisia que corria solta e reinante na corte.

Amir Haddad é conhecido por focar a realização teatral num lugar ‘inseguro’. Procurou ao longo dos anos justamente explorar formas e espaços para um teatro que sai do lugar-comum. Tem como premissa básica:

-> disposição não convencional da cena; desconstrução da dramaturgia; utilização aberta dos espaços cênicos; e interação entre atores e espectadores.

"Escola de Molieres" é um pouco disso tudo.

Assim como Moliere, Haddad é um idealizador e um sonhador. Tem no teatro a idéia de que tudo é possível e de que naquele espaço, naquele curto tempo, o homem é capaz de olhar para si e pensar.

Curto?

Haddad faz do teatro convencional uma quebra radical – faz do espaço uma espécie de circo onde os atores transitam à vontade, cantam e dançam e apresentam um apanhado daquilo que estudaram e observaram. Para ambos, Moliere e Haddad o teatro é um elo de comunicação fortíssimo com a sociedade, um que é capaz de ascender ânimos e contestar uma moral vigente.

Escola de Molières”, dirigida por Haddad, conta a história de um grupo teatral liderado pelo autor francês que resolve encenar uma peça. Bem ao estilo da época, Moliere, vivido por André Dale, dirige os atores meticulosamente, com firmeza e rigor, (característica fundamental de Moliere), dando-lhes palpites, orientações e deixando a criatividade dos mesmos correrem soltas. São 28 atores em cena reproduzindo e encenando diversos textos de Moliere, entre eles “O avarento” e “Don Juan”. Haddad segue, portanto, a lógica ‘Molieriana’ – nada ali está acabado, ou certo, um jogo de improvisos – tudo não passa de um grande ensaio aberto.

Antes de começar o espetáculo, Haddad aborda a platéia e explica o que será apresentado – meio ao estilo aeromoça indicando portas de saída - Simpático.

Logo depois os atores se apresentam, um por um, até que Moliere aparece e dá inicio ao ‘ensaio’ geral da tal peça. Há, de certo, um despojamento muito atraente por parte dos atores que pudor algum apresentam – a sensação que se tem é que estão em casa, como se diz.

A idéia que se tira é justamente a que Haddad descreve – “Lhes apresento um teatro onde há magia sem mistério”. E é isso – Do pé direito do teatro Tom Jobim, vê-se um enorme lustre do século XVI pendurado, a única cenografia reluzente e os atores trocando de roupa no palco de arena diante da platéia.

Andre Dale confere ao 'seu' Moliere humor e sutilezas bem estruturadas mostrando competência, coerência e segurança para executar o papel. Alguns momentos cai, por ser bem carioca, num tom para lá de coloquial que não compõe o autor que 'conhecemos', nevertheless, se trata de um jovem ator entregue e esforçado – conseguiu segurar o personagem a todo instante. Suas pontuações em relação ao jeito afetado da época foram formidáveis. Tem futuro o garoto...

Os outros atores, dentre eles, Caetano O’Maihlan, Leo Rosa, Teresa Seiblitz e Catarina Abdalla se destacam por compreender bem o universo da farsa, e tem como resultado uma soltura genuína e graciosa – atores agradáveis de se ver em cena. Alguns outros atores, mais inexperientes e jovens, não chegaram ao mesmo resultado, gritam palavras sem entender o que estão dizendo e pecam por má atuação. Puxam, portanto, a peça para baixo em ritmo e graça.

É nítida a vontade de Haddad de realizar um espetáculo com ‘E’ maiúsculo. Um onde ele explora a finco o universo de Moliere e brinca com o 'lay-out' farsesco. Porém, a pergunta retumbante é: a que preço?

Com 3h de duração, “Escola de Molieres” apresenta uma lerdeza monumental e sonífera. Um espetáculo divertido, lúdico e alegre mas que perde todas estas qualidades quando os relógios ainda marcam 1h45 de tempo corrido.

Há ali um ensaio literal. E o poder de síntese foi viajar de férias. Mesmo Haddad querendo romper com estrutura, não há motivos pertinentes que sejam responsáveis em alongar o tempo daquela maneira. Um espetáculo que poderia ser mais conciso, explorando os atores mais preparados, talvez residiria próximo a este ‘asqueroso’ lugar-comum, mas ao menos teria como resultado algo mais harmonioso, uma estrutura agradável e funcional.

No momento que a platéia passa a perder o foco o objetivo se perde – não há mensagem, não há mais interlocutor e tudo vira um grande circo, com apresentações superficiais – passa a virar entretenimento, talvez.

Em tempos onde o teatro compete com televisão, cinema, cinema 3-d, internet, Playstation, Nintendo wii, iphone entre outras formas de lazer, Haddad se põe, quiçá, como alguém que não busca NOVAS formas de teatro.

-> Como quebrar e atrair um público atravessado por novas mídias?

Há sim, uma homenagem indefectível ao dramaturgo francês – praticamente um festival, ou melhor: em tempos de rodízio de comida japonesa, Haddad oferece um ‘rodizio’ de Moliere – servido com muito esmero e dedicação.

Recheada de momentos musicais, e certo humor, o que poderia ser muito divertido se torna quase chato. Abençoados são os bons atores que ali estão, pois ‘seguram’ a peça até o final.

Uma coisa é conceber uma obra de arte, outra é obrigar os outros a admirá-la.

Ao mesmo que editar um ensaio parece loucura, não fazê-lo parece ousadia demais.

Entre as duas fico com a loucura – fora do normal e sem arrogâncias.

...

Haddad com certeza é um grande idealizador.

E como todo grande homem... "O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo." (Marco Aurélio)

Enfim, uma coisa, ao menos, é verdade: Pecar pelo excesso é sempre melhor.

A dica titubeia um ficar.

O segredo é, talvez lembrar, que se trata de um trabalho criado a partir de oficinas de teatro. "Aaaaah, tá."

Com certeza indicada apenas para aqueles com larga paciência.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

"Os Inocentes", 2010, César Augusto


"Liberdade é uma possibilidade de ser melhor, enquanto que escravidão é a certeza de ser pior." Albert Camus

Em maio de 1968 o jovem estudante americano, Matthew (Michel Blois), mora em Paris para estudar francês e conhece Isabelle (Lisa Fávero) e seu irmão gêmeo Theo (Patrick Sampaio). Os três têm algo em comum - uma paixão pelo cinema. Aos poucos eles criam uma intimidade que se torna, aparentemente, uma grande amizade, mas que é permeada por desejos, curiosidades, carinhos e personagens. Em meio ao caos que se instala em Paris, os três jovens intelectuais, se vêem mais preocupados em descobrir que sentimentos são esses, inquietos com a descoberta de uma sexualidade incipiente e que aflora com vigor e limites – limites estes que eles estão dispostos a ultrapassar em prol de um êxtase que nem sabem direito o que é.

The Holy Innocents”(1988) obra literária de G.Adair traz à tona a revolução de 68 na França - Uma manifestação a favor da Liberdade, a favor do conhecimento e a favor de um possível livre-arbítrio – a moral e a ética em questão – um movimento e uma ideologia. Ao mesmo tempo explora a capacidade que o homem tem de se alienar. Fala sobre a descoberta dos sentidos e da razão. Coloca nas mãos das pessoas a responsabilidade por um ideal, por justiça e liberdade. Uma obra delicada e sutil.

Bertolucci em 2003, com “Os Sonhadores” foi capaz de dar cor e forma a esta história. Um filme provocador, lúdico e contestador. Talvez, um de seus melhores filmes.

A peça, "Os Inocentes", adaptada por Rodrigo Nogueira e Julia Spadaccini, é uma versão “pocket” do romance de Gilbert Adair. Se trata de uma versão mais introspectiva, fechada naquele apartamento, que invade a intimidade daqueles irmãos, e que cerca Matthew, o 3º elemento. Esta configuração permitiu aos atores em cena explorarem bastante esta relação tão especial e diferente – um universo pueril e exaltado – a descoberta do mundo e da sexualidade.

Há ali momentos preciosos e escolhidos com esmero e sabedoria. Uma síntese bem explorada e com certa visceralidade.

Como contar esta história no teatro?

O diretor, Cesar Augusto, conseguiu extrair dos atores uma atuação implosiva e impactante e, ainda por cima, recheada de boas tiradas e humor.

Conhecendo a história, um gostinho de ‘quero mais’ paira no ar, como se faltasse algo, como se precisasse de algo arrebatador. {ainda mais tendo o filme de Bertolucci na cabeça, não tem jeito}

Todavia, são três jovens atores muito bem preparados e um texto bem escrito.

Uma peça simpática, enxuta e graciosa.

Fica a dica.

"Pterodátilos", 2010, Felipe Hirsch


Formado em teatro pela NYU, Nicky Silver tem como característica principal destrinchar as relações e a falta de comunicação que há entre ‘famílias’.

Em 1994 foi aclamado como gênio por uns, e autor derrotista e pessimista por outros. Apresentou ao mundo suas obras “Pterodátilos” e “Os solitários”, espetáculos de sucesso 'off-broadway', [ambos realizados por Marco Nanini no Brasil] onde sua visão adiantada sobre o homem anunciava onde estaríamos em 2010.


E não é que, de forma underground e com humor ácido, ele acertou.

Pterodátilos” em cartaz no Teatro das Artes se trata de uma amostra perfeita sobre a dificuldade que é compreender a complexidade humana – um retrato da superficialidade e do medo.

Há, num texto tão inteligente, a natureza dos sentimentos, a construção de relações familiares, a sexualidade como forma de expressão, os vícios e dependências, as fraquezas e a falta de tolerância com o outro. Ufa!

Por fim, onde reside o ‘amor’ entre os iguais – e quão iguais somos nós?

Ema, vivido pelo cômico e de carisma único, Marco Nanini, é uma típica adolescente ‘pura’ e ‘comportada’, nada perfeita e cheia de receios, medos e um caráter deprimido. O pai, também vivido por ele, é um que não apresenta muita vida, meio moribundo e crítico de tudo, desgostoso com o rumo que sua vida levou.

A mãe, interpretada por Mariana Lima, é, nada mais, nada menos que uma que faz da vida uma ‘singela’ viagem hedonista – cigarro, bebida, plásticas, moda e álcool – e que também, simplesmente, não gosta de sua filha, Ema. E há também, Todd, vivido por Álamo Facó, irmão de Ema, que volta à família premiado com o soro positivo.

O detalhe importante - Ema decide se casar com Tom (Felipe Abib), que ao conhecer a simpática ‘família’ passa a rever seus próprios conceitos sobre a vida.

A peça dirigida pelo premiado e competente Felipe Hirsch é uma que cumpre seu principal objetivo – Num primeiro momento, numa espécie de melo-drama/trágico Felipe e Nicky apresentam esta família através de um texto solto, perspicaz e cômico, fazendo com que a platéia venha abaixo e se ‘identifique’ com as pérolas apresentadas por estes personagens ‘originais’ que transbordam humanidade. Num segundo, as piadas vão sendo deixadas de lado e um drama real vai se instalando. Aos poucos cada um dos espectadores vai sendo cutucado com cada palavra e momento que os atores apresentam tão delicadamente – uma desintegração absoluta.

Marco Nanini, numa atuação divertida, dispensa elogios e traz, ‘travestido’, os dramas de Ema, que beiram o ridículo e o cômico mas que é carregado de sentimentos conflitantes e dor. Nanini não tem mais a leveza que apresentou em 2002 com “Os solitários”, mas ainda consegue compor personagens caricatos como ninguém e faz de Ema um recado bem dado.

Mariana Lima cada vez mais brilha nos palcos cariocas. Menina com uma ‘fachada’ discreta e porte tacanho, Mariana se trata de uma atriz versátil, que trata seus personagens com deferência – em “Pterodátilos” mesmo não tendo idade para tal, compôe uma mãe crível, com sutilezas, detalhes e uma interpretação com as pausas costumeiras, e aquele jeitinho Mariana Lima de ser. Há quem, infelizmente, não goste, mas deixemos estas pessoas de lado – Ela sabe o que está fazendo. Ela poderia, talvez, investir mais na caricatura criada por Silver, uma mãe mais fanfarrona, mais perua, mais louca, mas esta opção por algo mais introspectivo foi uma saída igualmente funcional - para não cair no óbvio.

Álamo Facó também, como de costume, deu sua carimbada no personagem - lhe atribuindo ousadia. E Felipe Abib - Entre tantos bons atores é aquele que conseguiu ‘dizer’ o texto sem atuar...

Não é preciso dizer mais nada sobre a rapaz, não? Um talento.

Sim, entre tantas qualidades, há um detalhe que vale a pena ressaltar. Em tempos onde o teatro discute a presença cênica, a quebra da 4ª parede, o estar presente e o ‘não-ignorar’ da platéia – “Pterodátilos” apresentou uma peça onde, em alguns momentos, as cenas esbarraram num ‘fazer teatral’. Em outras palavras, “ficou com carinha de atuado”, como se diz por aí. Houve um momento em que o vizinho disse, “Mas para quem e com quem este ator está falando?” [se referindo a falta de direcionamento e tom coerente com a frase dita].

Enfim, nada é perfeito.

Com um elenco afiadíssimo, com timing de humor no ponto certo e um texto recheado com a podridão humana, “Pterodátilos” emplaca como uma peça ‘muderna’, e que, principalmente, zomba de quem nós somos, das nossas neuroses e da nossa arrogância. Como dito brilhantemente – “fala sobre nosso canibalismo.”

Nicky Silver escreveu uma obra onde há uma atenta observação; não permite psicólogo, antropólogo e sociólogo nenhum colocar defeito ou fazer adendos. Logo, sua extensa premiação e cobiçadas obras.

Para completar, a fiel escudeira de Hirsch, Daniela Thomas, projetou um palco que auxilia a contar essa história de abandono emocional, um palco que se desfaz junto aos atores que vai ‘perdendo’ partes e deixando buracos.

A desintegração diante dos olhos.

Elas têm necessidade de certas coisas e as buscam a todo custo. O que torna as peças interessantes é que as pessoas buscam coisas que são conflitantes. Eu sei que isso soa como se eu fosse bem doido, mas eu gosto deles. Eu sairia para almoçar com qualquer um deles…" - Nicky Silver.

Fica a dica.


PS: o release de "Os solitários" vale a pena ser conferido - http://www.firstcom.com.br/releases_mostrar.asp?id=45&id_r=143

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"O Palácio de Neve", 2010, Celina Sodré



O palácio de neve”, em cartaz no Instituto do ator na Lapa, estabelece ao lado de um outro grupo carioca, a Cia dos atores, uma forma de se fazer teatro contemporâneo de maneira irreverente - Algo que só poder ser bem visto em tempos de monólogos, musicais e comédias besteirol.

Celina Sodré reuniu 6 atores interessados e compenetrados que buscam, acima de tudo, contar a história adaptada do livro de Orhan Pamuk, romancista turco, autor da obra literária Neve. Pamuk é conhecido por escrever romances onde procura retratar o choque e o cruzamento de culturas e tem como luta defender direitos dos curdos na Turquia. Pamuk foi galardoado em 2006 com o Nobel de literatura.

Um poeta chamado Ka retorna à sua terra natal, a Turquia, para o enterro de sua mãe. Ele resolve, então, investigar uma série de suicídios de jovens mulheres, numa pequena aldeia chamada Kars [neve em turco]. Há uma tempestade de neve na cidade e Ka se vê preso e isolado num ambiente onde surgem diversos episódios entre eles uma paixão e até um golpe político.

A quebra da 4ª parede, um narrador que atravessa o 'mise-en-scene', um palco de arena e introspectivo onde a platéia fica à 1 metro dos atores são alguns dos elementos utilizados pelo grupo que, de forma graciosa e elegante, sem rompantes e gritos, apresenta a delicada história de Ka.

Raphael Andrade interpreta Ka.

De cara, a primeira pergunta que se faz é – Mas este menino tem idade para tal papel? Não. E esteticamente, tem as possíveis feições de Ka? Também não.

Mas, então, por que cargas d´água deram tal missão para o rapaz?

2 motivos louváveis:

Celina Sodré é uma dessas raras pessoas ligada ao processo de criação da personagem onde, basicamente, acredita que qualquer ator pode vivenciar e explorar um novo universo e ser capaz de compreendê-lo, armado logicamente, com os instrumentos corretos.

Isto é, não existe uma 'máscara' necessária para compor um papel, pelo contrário, é através de uma possível neutralidade, um estado esvaziado, que impera um olhar sobre algum tema e onde o ator experimenta e arrisca uma interpretação, dando é claro sua visão sobre o mesmo.

Raphael Andrade assume com franqueza, sensibilidade e disponibilidade tal papel de difícil construção e execução. Faz desse um trabalho de imersão. Mesmo apresentando uma desenvoltura tímida em cena Raphael dá conta do recado e encanta com a timidez e as ansiedades de Ka.

Uma peça com singelas, prudentes e mesuradas interpretações.

Um incipiente grupo de atores adoráveis.



Fica a dica.

"Devassa", 2010, Nelhe Frank


Uma palavra grosseira, uma expressão bizarra, ensinou-me por vezes mais do que dez belas frases”.

Denis Diderot

A Cia dos atores é uma mais que especial.

Tem integrado à ela um rol de atores de 1º time.

Atores presentes, pensantes, desafiadores e inquietos.

A montagem da vez, "Devassa", uma adaptação do texto de "A Caixa de Pandora - Lulu", de Frank Wedekind, dividida em cinco atos, mas sem separação clara, se passa na Alemanha, Paris e Londres e se trata de uma viagem louca. Conta a história de Lulu, uma menina de rua que sofreu abusos na infância e que, adulta, decide se vingar dos homens de uma forma geral.

A diretora alemã Nehle Frank resolveu ousar - Deu junto aos atores a tarefa de desconstruir a obra como foi escrita e ali transpor a história através de um jogo visceral de palavras e cenas intensas, cenas estas, talvez eleitas, por serem as mais contundentes e emblemáticas a cerca da vida de Lulu.

Uma reorganização das idéias de Wedekind. Algo corajoso.

Mesmo perdendo-se no entendimento da narrativa – tudo muito intenso, corrido e confuso - a mensagem principal paira - a relação da mulher com suas sensações, dores, paixões e volúpias.

Há, entre a direção e os atores, uma experimentação em conjunto, sobre o “como fazer”, e mais importante -sobre o “como fazer de maneira contemporânea”. Não se trata apenas de atores e suas falas, e sim, uma inquietação diante do desafio de montar Wedekind no Rio de Janeiro e em 2010.

Os lugares-comuns, as frases feitas, os bordões, os narizes-de-cera, as sentenças de almanaque, os rifões e provébios, tudo pode aparecer como novidade, a questão está só em saber manejar adequadamente as palavras que estejam antes e depois.” José Saramago

Segundo o elenco, a idéia de se montar esta peça é poder, junto ao seu autor, dar uma visão moderna sobre o assunto tratado ali – a mulher. É, então, numa posição de reprodutor, criador e autor que surge um olhar provocador e que explora as nuances de um texto tão complexo e de difícil compreensão.

Ver estes atores mastigarem, deglutirem e cuspirem um olhar original vale a viagem e deixa a todos com os cabelinhos da nuca em pé.

A inconfundível Cia dos atores.


Fica a dica.

Nota bene: resta saber o que Wedekind acha.

"Oui, Oui! A França é aqui..!", 2010, João Fonseca


A qualidade incontestável do musical “Gypsy” nos palcos cariocas fez surgir um certo ‘respeito’ pelos musicais brasileiros.

Respeito {dicionário} -

1. Dar provas de respeito. = honrar, venerar -

Desta forma, aspas explicadas - não exageremos.

Isto posto, há em “Oui, Oui... A França é aqui” um seleto grupo de atores responsáveis por esta novidade – Eles sabem o que estão fazendo – ou melhor, gostam do que estão fazendo. Estes adoráveis atores dão, então, ao Rio, o que há de mais sensato e gracioso no que concerne este universo cantante.

Logicamente, isto já um motivo para respirar aliviado e relaxar ao se sentar para assistir a peça dirigida por João Fonseca. Com o lay-out de teatro de revista, gênero marcadamente pop, com leve críticas sociais e políticas, a peça traz números musicais e esquetes cômicos que retratam a influencia da cultura francesa na sociedade carioca. Acontece ali, em 2 atos, uma grande brincadeira teatral que procura de maneira ‘wikipediana’ fornecer informações, dados e curiosidades a respeito da cidade-maravilhosa, o samba, seu teatro municipal e, enfim, toda sua ligação com a França, como por exemplo o generoso nome de “Cidade Maravilhosa”.

Os atores Gottsha, Ester Elias, Solange Badim, André Dias, Cristiano Gualda e Gustavo Gasparani, são todos atores dotados de uma disponibilidade e presença marcantes, e dispensam quaisquer outros comentários depois da descrição acima - além de carismáticos, possuem vozes deliciosas e cantam com categoria.

Tudo conspira para dar certo – bom humor dos atores, boas piadas, números interessantes, outros surpreendentes, tudo num clima bem carioca, descontraído e divertido.

Porém, – elogios à parte – “Oui, Oui(...)” se trata de uma peça longa, e uma que, talvez, vá justamente se tornando visivelmente cansativa por não ter um roteiro consistente e que simplesmente se baseia em piadinhas e curiosidades. Depois de um tempo, as piadas e esquetes, saborosas no início, param de ter graça e a peça se torna, segundo um vizinho, uma “coisa parecida com a praça é nossa”.

A ‘cara’ de teatro de revista em si também é algo que cansa. Há entre os atores 2 ou 3 que NÃO tem o‘timing’ e humor afiado NECESSÁRIOS para tal - definitivamente não tem o menor talento para o humor – fazendo com que a peça perca em ritmo e graça, claro. Algo que um teatro de revista não pode pensar em perder.

A idéia é boa, mas a operação nem tanto. Talvez uma enxugadinha...

Enfim, ao final, torna-se um grande “samba do crioulo doido” – [o que pode ter sido a intenção].

Ou clara e forte abstinência de Haldol por parte dos atores.

A dica não fica.