Moliere tornou-se famoso pelas farsas que escreveu. Estas tinham um caráter ao estilo Commedia D'ellarte, sendo apresentadas em partes, através de improvisos e não necessariamente concluídas e sempre baseadas em esboços gerais. Através destas ‘obras’ nasceram outras onde Moliere se consagrou como um autor de comédias satíricas – tinha o intuito de sacanear e ridicularizar a nobreza, os costumes da época e salientar a hipocrisia que corria solta e reinante na corte. Amir Haddad é conhecido por focar a realização teatral num lugar ‘inseguro’. Procurou ao longo dos anos justamente explorar formas e espaços para um teatro que sai do lugar-comum. Tem como premissa básica:
-> disposição não convencional da cena; desconstrução da dramaturgia; utilização aberta dos espaços cênicos; e interação entre atores e espectadores.
"Escola de Molieres" é um pouco disso tudo.
Assim como Moliere, Haddad é um idealizador e um sonhador. Tem no teatro a idéia de que tudo é possível e de que naquele espaço, naquele curto tempo, o homem é capaz de olhar para si e pensar.
Curto?
Haddad faz do teatro convencional uma quebra radical – faz do espaço uma espécie de circo onde os atores transitam à vontade, cantam e dançam e apresentam um apanhado daquilo que estudaram e observaram. Para ambos, Moliere e Haddad o teatro é um elo de comunicação fortíssimo com a sociedade, um que é capaz de ascender ânimos e contestar uma moral vigente.
“Escola de Molières”, dirigida por Haddad, conta a história de um grupo teatral liderado pelo autor francês que resolve encenar uma peça. Bem ao estilo da época, Moliere, vivido por André Dale, dirige os atores meticulosamente, com firmeza e rigor, (característica fundamental de Moliere), dando-lhes palpites, orientações e deixando a criatividade dos mesmos correrem soltas. São 28 atores em cena reproduzindo e encenando diversos textos de Moliere, entre eles “O avarento” e “Don Juan”. Haddad segue, portanto, a lógica ‘Molieriana’ – nada ali está acabado, ou certo, um jogo de improvisos – tudo não passa de um grande ensaio aberto.
Antes de começar o espetáculo, Haddad aborda a platéia e explica o que será apresentado – meio ao estilo aeromoça indicando portas de saída - Simpático.
Logo depois os atores se apresentam, um por um, até que Moliere aparece e dá inicio ao ‘ensaio’ geral da tal peça. Há, de certo, um despojamento muito atraente por parte dos atores que pudor algum apresentam – a sensação que se tem é que estão em casa, como se diz.
A idéia que se tira é justamente a que Haddad descreve – “Lhes apresento um teatro onde há magia sem mistério”. E é isso – Do pé direito do teatro Tom Jobim, vê-se um enorme lustre do século XVI pendurado, a única cenografia reluzente e os atores trocando de roupa no palco de arena diante da platéia.

Andre Dale confere ao 'seu' Moliere humor e sutilezas bem estruturadas mostrando competência, coerência e segurança para executar o papel. Alguns momentos cai, por ser bem carioca, num tom para lá de coloquial que não compõe o autor que 'conhecemos', nevertheless, se trata de um jovem ator entregue e esforçado – conseguiu segurar o personagem a todo instante. Suas pontuações em relação ao jeito afetado da época foram formidáveis. Tem futuro o garoto...
Os outros atores, dentre eles, Caetano O’Maihlan, Leo Rosa, Teresa Seiblitz e Catarina Abdalla se destacam por compreender bem o universo da farsa, e tem como resultado uma soltura genuína e graciosa – atores agradáveis de se ver em cena. Alguns outros atores, mais inexperientes e jovens, não chegaram ao mesmo resultado, gritam palavras sem entender o que estão dizendo e pecam por má atuação. Puxam, portanto, a peça para baixo em ritmo e graça.
É nítida a vontade de Haddad de realizar um espetáculo com ‘E’ maiúsculo. Um onde ele explora a finco o universo de Moliere e brinca com o 'lay-out' farsesco. Porém, a pergunta retumbante é: a que preço?
Com 3h de duração, “Escola de Molieres” apresenta uma lerdeza monumental e sonífera. Um espetáculo divertido, lúdico e alegre mas que perde todas estas qualidades quando os relógios ainda marcam 1h45 de tempo corrido.
Há ali um ensaio literal. E o poder de síntese foi viajar de férias. Mesmo Haddad querendo romper com estrutura, não há motivos pertinentes que sejam responsáveis em alongar o tempo daquela maneira. Um espetáculo que poderia ser mais conciso, explorando os atores mais preparados, talvez residiria próximo a este ‘asqueroso’ lugar-comum, mas ao menos teria como resultado algo mais harmonioso, uma estrutura agradável e funcional.
No momento que a platéia passa a perder o foco o objetivo se perde – não há mensagem, não há mais interlocutor e tudo vira um grande circo, com apresentações superficiais – passa a virar entretenimento, talvez.
Em tempos onde o teatro compete com televisão, cinema, cinema 3-d, internet, Playstation, Nintendo wii, iphone entre outras formas de lazer, Haddad se põe, quiçá, como alguém que não busca NOVAS formas de teatro.
-> Como quebrar e atrair um público atravessado por novas mídias?
Há sim, uma homenagem indefectível ao dramaturgo francês – praticamente um festival, ou melhor: em tempos de rodízio de comida japonesa, Haddad oferece um ‘rodizio’ de Moliere – servido com muito esmero e dedicação.
Recheada de momentos musicais, e certo humor, o que poderia ser muito divertido se torna quase chato. Abençoados são os bons atores que ali estão, pois ‘seguram’ a peça até o final.
Uma coisa é conceber uma obra de arte, outra é obrigar os outros a admirá-la.
Ao mesmo que editar um ensaio parece loucura, não fazê-lo parece ousadia demais.
Entre as duas fico com a loucura – fora do normal e sem arrogâncias.
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Haddad com certeza é um grande idealizador.
E como todo grande homem... "O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo." (Marco Aurélio)
Enfim, uma coisa, ao menos, é verdade: Pecar pelo excesso é sempre melhor.
A dica titubeia um ficar.
O segredo é, talvez lembrar, que se trata de um trabalho criado a partir de oficinas de teatro. "Aaaaah, tá."
Com certeza indicada apenas para aqueles com larga paciência.