segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

"O Discurso do Rei", 2011, Tom Hooper


A história de um homem gago que se tornou rei. Parece enredo de escola de samba, ou roteiro de desenho animado da Disney...


Mas, felizmente, não é.


É, sim, mais uma história sobre a família real inglesa. Uma imagem de austeridade que, de geração em geração e através dos séculos, sempre se manteve imponente e aparentemente imbatível - um símbolo de status que gerou inveja e curiosidade pelo mundo afora.

O que desperta tanto o faro de jornalistas e historiadores curiosos e sádicos? Nada além daquilo chamado "um lugar-comum". Assim como qualquer família, seja ela burguesa ou proletária, os Windsor, Tudors e Stuarts têm seus dilemas, problemas e infortúnios, e enfrentam crises, das mais sérias às mais estapafúrdias.

O barato está em pontuar, justamente, crises domésticas, situações embaraçosas ou irônicas a que se submete a família mais célebre do planeta. De certo modo, aumentando sua fama, mas, de outro, diminuindo seu estado de graça e aspecto suntuoso e invejável... Não é à toa que revista de fofoca vende.

O Discurso do Rei dialoga, justamente, com uma dessas ironias que a vida apresenta.

O final da década de 30 foi um ano complicado para a Europa. Hitler, então pirado de vez, já estava, indevidamente, com tropas nas fronteiras de seus vizinhos e, assim, a 2a Guerra era iminente. Com Rei George IV (Michael Gambon) falecido, restou ao Rei Eduardo VIII (Guy Pearce), legítimo herdeiro do trono, assumir a coroa. Porém, a nação não imaginava que ele, um frouxo e desinteressado, iria preterir a coroa em nome de um casamento com uma mulher qualquer.

E a ironia toma conta da História - sobrou para Albert (Colin Firth), segundo filho de George, a árdua missão de assumir a coroa britânica. Algo que, segundo Churchill, seria seu maior teste na vida, diante da crise mundial que estava por vir.


O detalhe – Albert, ou Albie, como era chamado, tinha um sério problema de dicção e gagueira...


Como bem pontuado no filme, àquela altura da História, reis e rainhas britânicas já não tinham uma função, digamos, executiva sobre o país, e assim existiam mais como uma espécie de força motriz, que era capaz de dar valor às questões de união do povo – uma maneira de dar esperança, garra e sentimento de perseverança. Algo que, com Hitler às portas de entrada, era imprescindível...


O filme narra, portanto, os bastidores dessa história delicada e cômica. De um lado, a saia-justa em que se encontra Albert, diante de um povo que clama por sua voz de comando num momento tão sinistro; do outro, a empreitada da família que busca desesperadamente algum fonoaudiólogo que dê conta e esteja à altura de tal responsabilidade. Entra, então, Lionel Logue, fracassado ator de teatro, mas que (sabe lá Deus por que) entende muito de preparação vocal, expressão, empostação, etc.


De primeira, Albert acha Logue um charlatão e maluco e tem dificuldade em aceitar os exercícios propostos. Aos poucos, um trabalho que pareceria apenas técnico acaba enveredando para outros rumos e tomando dimensões psicológicas maiores, com as quais ambos não estavam preparados para lidar. Eis que chega o momento em que Logue leva Albert a crer que sua gagueira era fruto, precisamente, de tanta arrogância, pompa e dureza com que o menino lidou na infância com sua família e que o desdobramento desses fatos o levou a uma posição inerte diante da vida.



O Discurso do Rei é, portanto, antes de qualquer coisa, um daqueles filmes que revelam uma "curiosidade". Faz um recorte preciso daquele momento histórico, desvelando através de dois excepcionais intérpretes, como foram os dias que antecederam a Segunda Guerra Mundial; como estava o ânimo daquele homem tímido que não queria ser rei; e, principalmente, como o homem que treinou o rei lidou com aquela tremenda responsabilidade, simbolizando toda uma nação.

Geoffrey Rush é fascinante. Além de produtor e idealizador do filme, entregou de bandeja, como ator, ao colega Colin Firth, um papel desafiador, que Colin respondeu à altura, dando uma interpretação primorosa - só vendo para crer!

Favoritíssimo ao Oscar 2011.


O diretor Tom Hooper também não tem do que reclamar - teve carta branca para ousar e narrou a história de maneira muito sutil e saborosa. Deu um olhar, digamos, bastante expressionista – fazendo do palácio de Buckingham algo realmente opressor e que, de fato, impõe algum temor ou respeito. Um olhar muito interessante à obra: uma direção suave, que não só faz o espectador deslizar sobre a História como o deixa ávido pelo fechamento da estória. Há também uma fotografia impecável além de particular - atores encostados em paredes multicoloridas e texturizadas, mimetizando grandes pinturas medievais.

Um filme claramente pensado sob todos os aspectos.

Forte concorrente de Cisne Negro.

Parabéns a Firth e Rush!


Fica dica.


PS: um exemplo claro da força de um MacGuffin

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