sábado, 19 de junho de 2010

"Rock Antygona", 2010, Guilherme Leme

Gosto, se discute?

Há quem diga que só se lamenta.

E com certeza não é o caso desta montagem contemporânea de “Antígona” de Sófocles.

É distinto aquele artista que ousa, se arrisca e se arremessa num mundo de incertezas, já que através deste risco é possível encontrar, talvez, uma outra maneira de fazer, sentir e expressar uma idéia. Através da invenção e de uma reinvenção se é possível um novo olhar, e um novo fazer.

Rock Antygona” é a tentativa brava, firme e ousada de trazer aos palcos cariocas uma representação contemporânea da tragédia grega homônima. Arrisco dizer até, que numa tentativa de fazer de um jeito diferente – Uma espécie de short-term-play, é feito na sala Marília Pêra do Teatro Leblon, uma versão resumida, reduzida e, portanto, a síntese da história da heroína. Algo perigoso, mas que na simplicidade conta a história de maneira inteligível e remonta a tragédia, principalmente para aqueles que não a conheciam, de forma que é fácil de ser deglutida. Não há palácio, vestimenta da época e nada que seja previsível. Há, sim, um escritório, ou sala de reuniões moderna, onde os personagens se encontram e procuram ‘resolver’ seus conflitos. Há até um DJ-coro-narrador, que ajuda a contar a história cadenciando e pontuando momentos com efeitos sonoros – algo sui generis. Desta forma, há uma busca pela casualidade no texto. Algo que, talvez, através das vozes empostadas, não atinja este caráter moderno numa totalidade, deixando um pouco a desejar mas que não atrapalha o entendimento de forma alguma.

Luis Melo faz Creonte, Armando Babaioff faz Hemon e Larissa Bracher faz Antígona. Luis Melo consegue entre gritos, gemidos e sussurros pontuar com clareza momentos importantes e se destaca utilizando uma palheta de sentimentos e emoções bem vasta – bom de se ver. O jovem ator Armando Babaioff, mesmo tendo um porte pequeno, trabalha através da voz e do corpo um personagem forte, distinto e bravo – convence - Há uma construção correta e na medida certa. Larissa Bracher também atinge em certos pontos um lugar plausível, mas se deixa levar pela emoção e acaba por declamar o texto - algo que faz perder a força e o impacto no espectador. Há, talvez, pausas desnecessárias que costuram o texto dos 3 atores, enfraquecendo a tensão e o equilíbrio de um texto intenso e que pode ser ‘jogado’ numa ‘respirada’ só. São 3 atores em cena, cada um com pouquíssimo texto, a excessão de Luis Melo, que faz Creonte. O que impera é um trabalho corporal intenso, quase como um balé, que os atores esbanjam em talento. Longos minutos em silêncio onde o corpo expressa a dor e angústia que são necessárias para compor o cenário. A iluminação, a trilha sonora e os pés dos atores, firmes no chão, auxiliam a trazer o ‘peso’ necessário.

Atuar, assim como pintar, esculpir e dançar são ‘crafts’ difíceis. E sob dois aspectos básicos – no que concerne a destreza e aptidão para tal e a capacidade de compreensão de significados e de entendimento de idéias. A capacidade de dar sentido aquilo que deverá ser construído e constituído como obra artística.

Re-construir “Antígona” é algo mais que desafiador e deve ser lembrado com louvor.

Qual a diferença entre um vaso de flor pintado por um artista e grampeado a um calendário e um vaso de flor pintado por Van Gogh? O que é arte e qual a qualidade/finalidade da arte?

E coloco - A arte desaparecerá à medida que a vida ganhar equilíbrio." (Mondrian)

"A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam." (Auguste Rodin)

Ao ousar e buscar o diferente, mostra-se que se está vivo e pensante. O diretor Guilherme Leme e o dramaturgo Caio de Andrade foram felizes nas suas aspirações – traduz através do corpo dos atores uma história bem contada.

Gosto não se discute, se experimenta.


A dica fica – para os disponíveis à uma experimentação.

2 comentários:

  1. Olha, se tivesse um prêmio para melhor crítica do ano, essa ganharia disparada. Seria tipo o Titanic das críticas de teatro.

    Pelo visto, a noite de sono te refez pensar algumas pensamentos herméticos :)

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  2. Muito interessante seu blog, to te seguindo agora, a Heloisa Tolipan que indicou.

    Paranbéns

    abração

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