terça-feira, 14 de setembro de 2010

"Pterodátilos", 2010, Felipe Hirsch


Formado em teatro pela NYU, Nicky Silver tem como característica principal destrinchar as relações e a falta de comunicação que há entre ‘famílias’.

Em 1994 foi aclamado como gênio por uns, e autor derrotista e pessimista por outros. Apresentou ao mundo suas obras “Pterodátilos” e “Os solitários”, espetáculos de sucesso 'off-broadway', [ambos realizados por Marco Nanini no Brasil] onde sua visão adiantada sobre o homem anunciava onde estaríamos em 2010.


E não é que, de forma underground e com humor ácido, ele acertou.

Pterodátilos” em cartaz no Teatro das Artes se trata de uma amostra perfeita sobre a dificuldade que é compreender a complexidade humana – um retrato da superficialidade e do medo.

Há, num texto tão inteligente, a natureza dos sentimentos, a construção de relações familiares, a sexualidade como forma de expressão, os vícios e dependências, as fraquezas e a falta de tolerância com o outro. Ufa!

Por fim, onde reside o ‘amor’ entre os iguais – e quão iguais somos nós?

Ema, vivido pelo cômico e de carisma único, Marco Nanini, é uma típica adolescente ‘pura’ e ‘comportada’, nada perfeita e cheia de receios, medos e um caráter deprimido. O pai, também vivido por ele, é um que não apresenta muita vida, meio moribundo e crítico de tudo, desgostoso com o rumo que sua vida levou.

A mãe, interpretada por Mariana Lima, é, nada mais, nada menos que uma que faz da vida uma ‘singela’ viagem hedonista – cigarro, bebida, plásticas, moda e álcool – e que também, simplesmente, não gosta de sua filha, Ema. E há também, Todd, vivido por Álamo Facó, irmão de Ema, que volta à família premiado com o soro positivo.

O detalhe importante - Ema decide se casar com Tom (Felipe Abib), que ao conhecer a simpática ‘família’ passa a rever seus próprios conceitos sobre a vida.

A peça dirigida pelo premiado e competente Felipe Hirsch é uma que cumpre seu principal objetivo – Num primeiro momento, numa espécie de melo-drama/trágico Felipe e Nicky apresentam esta família através de um texto solto, perspicaz e cômico, fazendo com que a platéia venha abaixo e se ‘identifique’ com as pérolas apresentadas por estes personagens ‘originais’ que transbordam humanidade. Num segundo, as piadas vão sendo deixadas de lado e um drama real vai se instalando. Aos poucos cada um dos espectadores vai sendo cutucado com cada palavra e momento que os atores apresentam tão delicadamente – uma desintegração absoluta.

Marco Nanini, numa atuação divertida, dispensa elogios e traz, ‘travestido’, os dramas de Ema, que beiram o ridículo e o cômico mas que é carregado de sentimentos conflitantes e dor. Nanini não tem mais a leveza que apresentou em 2002 com “Os solitários”, mas ainda consegue compor personagens caricatos como ninguém e faz de Ema um recado bem dado.

Mariana Lima cada vez mais brilha nos palcos cariocas. Menina com uma ‘fachada’ discreta e porte tacanho, Mariana se trata de uma atriz versátil, que trata seus personagens com deferência – em “Pterodátilos” mesmo não tendo idade para tal, compôe uma mãe crível, com sutilezas, detalhes e uma interpretação com as pausas costumeiras, e aquele jeitinho Mariana Lima de ser. Há quem, infelizmente, não goste, mas deixemos estas pessoas de lado – Ela sabe o que está fazendo. Ela poderia, talvez, investir mais na caricatura criada por Silver, uma mãe mais fanfarrona, mais perua, mais louca, mas esta opção por algo mais introspectivo foi uma saída igualmente funcional - para não cair no óbvio.

Álamo Facó também, como de costume, deu sua carimbada no personagem - lhe atribuindo ousadia. E Felipe Abib - Entre tantos bons atores é aquele que conseguiu ‘dizer’ o texto sem atuar...

Não é preciso dizer mais nada sobre a rapaz, não? Um talento.

Sim, entre tantas qualidades, há um detalhe que vale a pena ressaltar. Em tempos onde o teatro discute a presença cênica, a quebra da 4ª parede, o estar presente e o ‘não-ignorar’ da platéia – “Pterodátilos” apresentou uma peça onde, em alguns momentos, as cenas esbarraram num ‘fazer teatral’. Em outras palavras, “ficou com carinha de atuado”, como se diz por aí. Houve um momento em que o vizinho disse, “Mas para quem e com quem este ator está falando?” [se referindo a falta de direcionamento e tom coerente com a frase dita].

Enfim, nada é perfeito.

Com um elenco afiadíssimo, com timing de humor no ponto certo e um texto recheado com a podridão humana, “Pterodátilos” emplaca como uma peça ‘muderna’, e que, principalmente, zomba de quem nós somos, das nossas neuroses e da nossa arrogância. Como dito brilhantemente – “fala sobre nosso canibalismo.”

Nicky Silver escreveu uma obra onde há uma atenta observação; não permite psicólogo, antropólogo e sociólogo nenhum colocar defeito ou fazer adendos. Logo, sua extensa premiação e cobiçadas obras.

Para completar, a fiel escudeira de Hirsch, Daniela Thomas, projetou um palco que auxilia a contar essa história de abandono emocional, um palco que se desfaz junto aos atores que vai ‘perdendo’ partes e deixando buracos.

A desintegração diante dos olhos.

Elas têm necessidade de certas coisas e as buscam a todo custo. O que torna as peças interessantes é que as pessoas buscam coisas que são conflitantes. Eu sei que isso soa como se eu fosse bem doido, mas eu gosto deles. Eu sairia para almoçar com qualquer um deles…" - Nicky Silver.

Fica a dica.


PS: o release de "Os solitários" vale a pena ser conferido - http://www.firstcom.com.br/releases_mostrar.asp?id=45&id_r=143

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