Quando Denise Crispun e Melanie Dimantas resolveram escrever “A Carpa” estavam, provavelmente, intrigadas com uma sensação de desafinação com seus pais - algo trivial e ao mesmo tempo com certa importância. Ao passar dos anos, tradições e costumes tendem a se perder e serem esquecidas, e assim, aqueles mais velhos, tendem a acreditar em duas idéias – Primeiramente, que o mundo caminha para o fim dos tempos; e apoiado na 1ª noção, que eles devem permanecer rígidos propagando tal conduta e conhecimento, para o bem da nação. Qual é a família que não tem seus atritos, divergências e desacordos? No que concerne a religião e os costumes muitas vezes ocorrem embates entre a tradição e o moderno – um confronto de idéias e com visões divergentes.
“A carpa” narra, justamente, este embate geração x geração. A filha (Carolyna Aguiar) acaba de chegar de viagem, veio passar o Pessach com seus pais. A mãe (Ivone Hoffman), como toda mãe, está animadíssima com a chegada da filha e já tem pronto quase toda a farta comida. A peça, toda passada na cozinha, apresenta, na relação mãe e filha, todo o universo da religião judaica – de um lado, as crenças, maneirismos e expectativas de uma mãe que não consegue se desprender da fé e que enxerga todos à sua volta como gói. Do outro, uma jovem moça que decidiu se casar com um não-judeu, e que enxerga neste casamento uma maneira mais flexível de se lidar com questões da fé e com a cultura em si. A mãe enxerga a filha aculturada, e a filha sonha em ter uma mãe mais resiliente.
“A carpa” reproduz com humor, um ambiente onde há, entre as duas, conversas, risadas e discussões das mais fervorosas – tudo isto enquanto preparam o famoso “Gefiltefish” (a carpa recheada) um dos pratos tradicionais das celebrações judaicas.
Ivone Hoffman encarna, personifica e simboliza a figura da mãe judaica – algo que nesta fé representa o esteio, quem em grande parte, na família, determina o caráter e a atmosfera do lar. É através de uma interpretação leve, caseira e simples, mas ao mesmo tempo penetrante e inexorável que Ivone rende uma platéia atenta e que se deleita e emociona, ao ver uma mãe tipicamente provedora, protetora e energética. Ivone é a dona do palco.
A doce Carolyna Aguiar realiza o papel com habilidade e graça - atriz mais moça, talvez menos experiente, tem momentos em que deixa escapar um bradar e gritos que desequilibram a harmonia de algumas poucas cenas. Contudo, não deixa a desejar de forma alguma. É tão agradável quando há uma peça em cartaz que passa num tempo certo, de maneira enxuta e com sentido claro. Além de conter atores tão bem entrosados e um texto aparentemente casual mas solene e austero.
Os judeus, sem dúvida nenhuma, permaneceram uma nação distinta sem país, poder, território, ou cultura partilhada. Foram dispersos e quase sempre uma minoria. Na maior parte recusaram os esforços ativos para convertê-los, e resistiram à assimilação. Nenhum outro povo tem mantido sua identidade intacta por tanto tempo sob tais circunstâncias.
As vezes, cabe a uma mãe ser a responsável por tal - e a uma filha tentar ensiná-la a se flexibilizar, um pouco. E, assim, a vida vai.
Fica a dica.